SERGIO CABRAL

SERGIO CABRAL

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Bia Bedran

“Tenho certeza do poder do diálogo do pensamento que a leitura proporciona. Nada é o que é, tudo pode vir a ser...”



Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato; os romances da Condessa de Séguir; Os doze trabalhos de Hércules, de Monteiro Lobato, fazem parte das minhas primeiras lembranças de leitura.
Ficaram na minha vida algumas grandes histórias, por exemplo, o romance entre Riobaldo e Diadorim, em Grande sertão – veredas ; As aventuras e desventuras de Dom Quixote; Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado;  o romance contemporâneo  Canteiros de Saturno, de Ana Maria Machado; A cidadela, de Cronin; A Crônica da casa assassinada, de Lucio Cardoso.
Sobre os autores? Então, nosso Guimarães Rosa; Machado de Assis; Ana Maria Machado; Ruth Rocha; Ziraldo; Monteiro Lobato; Andersen; Os Irmãos Grimm; Câmara Cascudo, Cecília Meireles...
Penso que minha passagem pela escola foi bem importante. Eu era uma leitora voraz, tinha prazer em ler, escrever, participar dos concursos de redação que logo na escola primária me estimularam a escrever mais e mais. Quanto mais eu me arriscava na escrita mais eu lia e vice-versa. Acho que é assim o processo criativo: ele se alimenta do próprio alimento do exercício da criação.
A leitura é capaz de influenciar nas escolhas, no caminho que se vai seguir, que se vai viver, tenho certeza do poder do diálogo do pensamento que a leitura proporciona. Nada é o que é, tudo pode vir a ser, o encontro da perspectiva do outro, o entendimento das diferenças e, principalmente, a possibilidade da transformação, enfim , da ampliação dos horizontes, tudo isso vem com a leitura. Esta experiência nos ajuda a enxergar a nós mesmos, nos fornece um espelho com o qual podemos, ou não, nos mirar.
Atualmente leio romances... estou encantada pela obra de Milton Hatoum: Dois irmãos; Cinzas do norte; Órfãos do Eldorado. Também adoro a obra da autora americana Lionel Shriver: O mundo pós-aniversário e Precisamos falar sobre kevin.
Na minha trajetória de leitora, tenho marcadas algumas ideias, palavras e expressões, me ocorre, agora, citar o final de um poema que está no livro Arte–Educação: da pré-escola à universidade”, organizado por Luis Camargo, que é assim: “Os pássaros da inspiração só pousam nas mãos de quem os alimenta.”
Personagens também ficam, marcam, se fortalecem... por exemplo, Riobaldo, de Guimarães. Ele me impressiona demais pelo linguajar sertanejo inventado pelo autor, misturado com um verdadeiro tratado de filosofia que ele profere naquelas 700 páginas apaixonantes.

Acho que ler é simplesmente bom. Uma maravilhosa companhia. Com sua “algazarra silenciosa” (expressão criada por Ana Maria Machado) provocada em nosso cérebro, o ato de ler nos emociona e nos transforma a cada momento. Meu novo livro infantil, o décimo quinto, chama-se  O mundo dos livros... precisa dizer mais alguma coisa sobre minha paixão por leitura?

http://biabedran.com.br/

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Um leitor, graças às influências - Nilo Cabral



 
 
Iniciei minhas leituras, já em idade um tanto avançada. Uma das mais antigas imagens traz o meu pai lendo jornais e livros que só vim a entender com mais idade. O sustento aos quatro filhos atrasou possíveis deleites literários. As motivação mais significativa foram enciclopédias que, embora menores em relevância intelectual, estimularam e estimulam, ainda hoje, a busca por textos mais complexos e originais. Das leituras mais marcantes de infância, recordo os contos infantis, selecionados pela enciclopédia “O Mundo da Criança”: não tenho certeza se foram as primeiras leituras, mas a experiência fantasiosa, como a de João Felpudo, de Heinrich Hoffmann e a história do Pinheirinho de Natal, de Cristian Andersen, legaram algo importante: embora singelas, permitiram o exercício de concentração a textos mais encorpados. 
As leituras mais longas e complexas ocorrem bem mais tarde, antes acompanhava algumas crônicas em jornais, sugeridas pela influência paterna e alguns cadernos publicados por jornalistas. As obras significativas vieram entre o fim da adolescência e início da idade adulta, influenciado quer pelos professores de um curso pré-vestibular de Porto Alegre, quer por uma paixão, sim, paixões também transformam intelectualmente as nossas vidas. Diante de novos desafios (conceitos, estruturas frasais, e palavras), tive que recorrer a dicionários e a mestres capazes de me trazer luz aquela densidade. Fui acumulando, assim, dicionários de filosofia, de sociologia, textos de iniciação à interpretação de texto, de língua portuguesa, bem como uma série de obras (e mestres) que me proporcionaram um alívio nesta caminhada. Embora tardia, a experiência consolidou não um perfil intelectual, mas, sim, um admirador pela palavra, pelo texto, pelas surpresas que a poesia ou a prosa podem trazer ao imaginário e à compreensão de mundo.
Neste mundo das letras, vários livros marcaram a minha formação, na poesia, Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade e um pouco de Mário Quintana. Tive a sorte de ser instigado por um mestre da faculdade, logo no primeiro semestre, que propunha leituras mensais. Vim a conhecer neste momento alguns autores gaúchos, como Moacir Scliar, Josué Guimarães, Érico Veríssimo. Os mais marcantes? Difícil apontar, alguns conquistaram-me pelo argumento, outros pela estrutura textual. Algumas das mais incríveis experiências foram os contos infantis, de Andersen, a obra Espártacus de Howard Fast, o livro 1984 de George Orwell, Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Marquez, A Caverna e Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago, entre umas tantas outras que me desafiaram tanto o imaginário, quanto a descoberta de um caminho novo para a minha formação. E quanto a personagens, bem, outra dificuldade é encontrar, entre tantos, os mais destacados. Tentarei citar alguns, os mais imediatamente marcantes. Lady Clark Milady é uma personagem fantástica, isto porque o autor construiu um perfil que agrega beleza e maldade, capazes de causar as mais terríveis consequências. Um outro destaque é igualmente uma personagem feminina, Catarina, do Romance A Ferro e Fogo, a coragem mesclada à sensibilidade marcaram-me profundamente. Há outros personagens, entre os quais Doran Gray, de Oscar Wilde, que oferece ao leitor (da época do romance) um desafio à moralidade, e hoje ainda uma crítica às várias expectativas de uma sociedade hipócrita.
 (Nilo Cabral é jornalista)

terça-feira, 28 de abril de 2015

“O livro existe através do leitor. É o leitor que empresta significado ao livro. Que seria do autor sem o leitor?” Tania Dauster



A minha primeira lembrança de leitura está ligada às letras recortadas de jornais e coladas em papéis que uma tia professora me apresentava para ensinar-me a ler. Ela partia do alfabeto para construir as palavras. Isto se passou no final dos anos 40.

Minha família sempre teve intimidade com palavras e livros. O avô por parte de mãe era jornalista e nas primeiras décadas do século XX criou um jornal de pequena circulação chamado "O Suburbano". Suas três filhas estudaram na Escola Normal, o Instituto de Educação, que na época era uma das melhores escolas do Rio de Janeiro. Posteriormente, minha mãe, Josefa Magalhães e Silva, foi professora catedrática de Filosofia da Educação na época áurea do Instituto de Educação, entre os anos 40, 50 e 60 do século XX. Meu pai, José Dauster, médico e clínico geral, por prazer, traduzia contos do francês. Não por acaso, meu irmão Jorio Dauster, embaixador de carreira, é tradutor de grandes autores entre os quais Vladimir Nabokov, Ian McEwan e Phlip Roth. Uma das minhas irmãs, Bluma, escreveu um romance. Bruno, meu irmão, está escrevendo suas memórias relativas aos anos de chumbo. Todos os irmãos e meus filhos, José, Bruno, Barbara e Tatiana são grandes leitores. Barbara, minha filha, está exercendo-se nos caminhos da tradução e a nora, Lourdes, é professora nesta área e tradutora. Então, no começo desta história vejo meu pai e tenho forte lembrança das coleções da Editora Globo, de Porto Alegre, que acredito fez um trabalho pioneiro na área de tradução e publicação nos anos 40 no Brasil, história que deveria ser contada.

Tive na infância e juventude uma casa povoada por livros e leitores. Assim, eu e meu marido, Pedro Garcia, poeta, antropólogo e professor universitário, continuamos com livros por todos os lados.

Da primeira fase, lembro-me das coletâneas publicadas pela Editora Globo contendo e divulgando os melhores contos de diferentes culturas: russos, franceses etc. Recordo-me ainda de toda a coleção dos romances de Dostoievski, Tolstoi, Stendhal, Flaubert, Zola, Balzac, Conrad, Faulkner, Steinbeck, Hemingway, Eça de Queiroz, Machado de Assis, Veríssimo, Clarice Lispector, Cecília Meirelles...ao alcance dos filhos. Minha mãe, em especial, amava os poetas brasileiros e portugueses. Lá encontrava os livros de Fernando Pessoa e Florbela Espanca. Dela, a família tem a primeira versão de um romance não publicado.

Ainda criança li "As quatro raparigas", de Louise May Alcott e todos os romances da Condessa de Ségur maravilhosamente ilustrados. Lembro-me também da bela edição de uma história "infantil" chamada "O Negrinho do Pastoreio" e de José de Alencar. "Cobra Norato" de Raul Bopp, ricamente ilustrado, era cultuado na família. Guardo até hoje esse exemplar. Além disso, adorava ganhar de presente os almanaques de capa dura com histórias em quadrinhos e as revistas com histórias românticas e ilustradas como Grande Hotel, uma fotonovela dos anos 1950.

Posso dizer que era uma criança e jovem que gostava de ler e, certamente, fiquei marcada por esses autores. Ao lado desses livros, os musicais americanos da época como "O mágico de Oz", "Cantando na chuva" e outros do gênero, de alguma forma, todos, em determinados momentos, modelaram minhas emoções, sentimentos, atitude e valores. Então, acredito que as leituras influenciam a visão de mundo e as escolhas que fazemos na vida, até de forma inconsciente.

As leituras, ao lado das experiências, da própria história e do lugar social ocupado por cada um, constituem o pano de fundo para que se venha a ser o que se é. Ou seja, na construção de uma identidade própria, portanto, ler tem um potencial formativo e transformador na medida de cada um e do ponto de vista de cada pessoa. A meu ver o ato de ler é diferenciado e o mesmo texto pode ser interpretado de variadas maneiras pelos diversos leitores. O livro existe através do leitor. É o leitor que empresta significado ao livro. Que seria do autor sem o leitor?

Da vivência escolar no Instituto de Educação dos chamados Anos Dourados ficou o contato com os poetas brasileiros: Gonçalves Dias, Castro Alves, Casimiro de Abreu, Olavo Bilac. Só mais tarde fui apresentada a Drummond, Manuel Bandeira, Vinicius...

Hoje em dia sou uma grande leitora de romances e de antropologia.

As leituras de Antropologia mudaram a minha vida de tal forma que fiz um doutorado em Antropologia Social no Museu Nacional /UFRJ e abri na PUC-Rio uma área de Antropologia e Educação nos finais dos anos de 1980. Neste sentido, o ato de ler Antropologia transformou a minha existência, deu um outro sentido e outro significado ao meu trajeto existencial e profissional. Reinventei minha sensibilidade, minha visão de mundo, representações e práticas cotidianas.

Na minha vida de leitora, destaco três personalidades femininas: Maria João, de "Quatro Raparigas", Justine, que dá nome ao primeiro volume do "Quarteto de Alexandria"  de Lawrence  Durrell  e Emma de "Madame Bovary", de Gustave  Flaubert.

Fica de Flaubert a frase "Eu sou Emma Bovary..." para ser interpretada por cada leitor de acordo com sua história.

Hoje em dia escrevo artigos e tenho várias pesquisas publicadas sobre o  do ato de ler, que poderiam ser nomeadas como pesquisas etnográficas sobre representações e práticas de leitura em diferentes universos sociais.
Tania Dauster é professora da PUC - RJ

domingo, 22 de março de 2015

“A leitura pode influenciar as escolhas e visões da realidade” Leo Gandelman - Músico



             Na escola primária, quando as aulas de português exigiam a leitura de livros selecionados, eu li “Meninos da Rua Paulo” e “ Meu pé de Laranja lima” e ficaram marcados.
Ainda quando criança, adorava ler também os livros do Tintim e do Asterix.
Por volta dos 13 anos, me lembro do livro “ A Terceira Visão “, de Lobsang Rampa , Sidarta e outros nesse caminho.

Monteiro Lobato, George Orwell, Julio Verne ...são autores que fizeram parte do meu mundo de leitor.
As conversas sobre livros com colegas na escola sempre foram influências. A leitura cria reflexões e abre novas perspectivas, inspirações !
A leitura pode influenciar as escolhas e visões da realidade. Basta um pouco de criatividade e sensibilidade para se deixar levar para novas formas de ver e pensar o mundo.
Com certeza, vários livros influenciaram o comportamento e direcionaram as escolhas de gerações. Os livros refletem e apresentam o pensamento de uma época.
Livros com fundamento puramente comercial, com conteúdo sensacionalista, vazio e especulativo são mera perda de tempo.
Gosto muito de biografia, é o meu gênero de texto predileto. A biografia de John Coltrane, com certeza, além da sua música, inspirou toda uma geração de artistas.
Ler textos inteligentes contribui para aumentar o conhecimento do passado, a percepção da realidade e cria novas perspectivas para o futuro.


quinta-feira, 12 de março de 2015

A leitura começa quando termino o livro


 

Carlos Fernando Gomes Galvão de Queirós

Professor de Geografia

 

 Minhas primeiras lembranças de leitura são alguns livros da coleção “Tesouros da Juventude”, que meu pai tinha em casa, por volta... talvez... dos... 10 anos. Depois disso, e dos gibis, que sempre gostei, o livro “O mistério do cinco estrelas”, de Marcos Rey, e o livro “Oitava série C”, de Odette de Barros Mott. Além disso, “Dom Casmurro”, de Machado de Assis (é, por incrível que possa parecer, talvez, já gostava de Machado na adolescência).
Algumas histórias ficaram na minha vida, além das acima mencionadas, acrescentaria ainda as do livro “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, “O retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde, “Capitão de Longo Curso”, de Jorge Amado e “O processo”, de Franz Kafka (o qual, diga-se de passagem, estou a reler, neste momento).
 Os autores que relatei até aqui e acrescento alguns russos, como Korolenko, Lermontov, Tolstoi e Tchekhov. Isso para não mencionar Karl Marx, Jean Paul Sartre e Umberto Eco; Carl Sagan, com “Cosmos”...; Vinícius de Moraes e Millôr Fernandes.
Na minha formação como leitor, antes da escola, teve a família, absolutamente essencial, que me incentivaria a ler, independente da escola. Mas na escola, foi importante ter tido professores que perceberam que não adiantava passar para a garotada livros mais densos, que só a vivência faz gostar, passando pra gente ler livros como que mencionei “O mistério do cinco estrelas”, mais “leves” e ainda assim, acho, bem escritos.
 Nélida Piñon disse, certa vez, que escrever liberta; digo que ler, também. Ler é fazer uma viagem para dentro de si mesmo, é se conhecer, a partir das experiências dos personagens do livro, do conto, da poesia, do artigo jornalístico, não importa. Costumo dizer que a leitura começa quando termino o livro, porque aí é que vou “ruminar” o que li. Então, o meu modo de vida é diretamente influenciado pelo que leio. E sim, claro, pelo dito, a leitura influi em minhas escolhas de vida.
O ato de leitura é revolucionário
 A leitura abre os horizontes mentais e do coração e isso faz toda diferença na orientação dos caminhos de vida das pessoas.
Gutemberg foi eleito o homem do milênio, se não me engano, e isso já diz muita coisa. Pra mim, o ato de leitura é revolucionário porque altera, ou pode alterar, profundamente, o que sinto, o que penso, o que sou. Então, a primeira revolução é pessoal. Esta, se puder ser somada a certa tomada de consciência crítica dos cidadãos (viva Marx! – risos), pode, é claro, ser um ato socialmente transformador, na medida em que as pessoas vão se informando e, ao refletir, se (re)formando.
Penso que até mesmo bula de remédio pode ser útil (risos), mas auto-ajuda, e suas platitudes, realmente, é algo que não recomendo. E de um modo em geral, livros que preguem ideias como racismo ou autoritarismo também não recomendo.
Ler (e o cinema) é viver onde, como, quando, com quem você deseja.
 
Leio poesia, romance e astronomia. Além de filosofia e política. Gosto muito de uma passagem que diz “Menos importa o que fizeram ao Homem; mais importa o que ele faz do que fizeram dele”, Jean Paul Sartre. Ler (e o cinema) é viver onde, como, quando, com quem você deseja.
 

quarta-feira, 4 de março de 2015

O círculo mágico e meus Xamãs - Welington Machado – professor e poeta



Lembrança no sentido daquilo que, vivido, valeu e ficou e está ainda agora na memória como um bem da existência e fazendo parte do que “sou”?  Nesse sentido, minha memória guarda as primeiras histórias “lidas” através da voz de minha mãe, quando juntava a filharada na sua cama enorme e narrava as mais belas histórias do jeito que lhe ficaram na memória. Depois é que fiquei sabendo que muitas daquelas histórias estavam em livros de contos de encantamento de Andersen, dos irmãos Grimm, de Perrault, de Câmara Cascudo...  coisas desse tipo, e que minha mãe nos contava muitas vezes transformadas, bem a seu modo, muitas vezes misturadas a suas histórias pessoais, fatos de sua infância e adolescência, narrados como contos de fadas ou de terror, mas sempre de encantamento. Eu pelo menos a ouvia, completamente encantado por aquela voz, por aquelas histórias. Posso citar como exemplo uma história narrada ao modo dela, que me acompanhou por toda a infância e que ainda hoje trago na memória como um bem dos encantamentos poéticos que fazem parte do que “sou”. A história era a do Rumpelstiltskin, que ela dizia e nós repetíamos “Rumpleststequin”, e que até hoje me salta da memória e se “presenta” na voz dela. Parece-me estar ouvindo, vendo ela contar, fazendo baixar aqueles personagens, aquelas lendas.  Uma Xamã, no círculo mágico, a minha mãe.  Enfim, a minha primeira lembrança de leitura são as histórias transmitidas oralmente por minha mãe. Mais grandinho eu descobri e passei a ler aquelas histórias direto nos livros, grandes, bonitos, de capa dura, coleções inteiras de contos desse tipo, que meu pai trazia pra casa. Lia e era a voz de minha mãe que narrava aquilo pra mim, sua voz e imagem saindo direto das páginas daqueles livros. Fora desse círculo mágico que minha mãe criou pra nós, a primeira “coisa” que li e que me transformou de vez em amante-escravo da magia que os livros guardam foram os poemas de “Mensagem”, do Fernando Pessoa. Todo o livro me tomou, mas na memória sempre me vem o impacto que me causou a leitura daquele poema em que ele fala do mostrengo que, voando na noite do breu do fim do mar, vem interpelar aquele que ousou entrar em suas cavernas de tetos negros do fim do mundo. E a voz que lhe responde: “El-Rei D. João Segundo!”. Fernando Pessoa, assim, me impactou, foi o segundo Xamã a me prender em um círculo mágico. Até hoje me lembro da sensação de encantamento que o poema me causou e que me prendeu, encantado para sempre, no mundo das palavras escritas.
São muitas outras as histórias que me ficaram, que constituem um bem em minha memória, meu baú de encantamentos, o “tesouro da juventude” que me acompanha e que faz parte do que “sou”, da minha existência, da minha travessia... e que sigo alimentando, enriquecendo. Vou citar como exemplos primeiros, além das narrativas de minha mãe e do “Mensagem” do  Fernando Pessoa, as histórias do Hermann Hesse, em especial  “O jogo das contas de vidro” e “O lobo da estepe”. Julio Cortázar, outro Xamã, com seus contos e romances me tomou inteiro pra si, dentro do seu círculo mágico, e até hoje é assim. Clarice Lispector, a “bruxa fera” do encantamento, um perigo constante para os leitores, me levou primeiro para “Perto do coração selvagem”, me hipnotizou com a “A paixão segundo G.H” e “Água viva”. Depois disso, me vi preso inteiramente no círculo mágico de Clarice... ou fui eu  a levar tanto Cortazar quanto  Clarice pra dentro do círculo mágico em que já me encontrava preso... inescapável.  Machado de Assis foi outro entre meus xamãs, por tudo que li dele, mas especialmente por Dom Casmurro, que considero uma das mais bem construídas e fascinantes narrativas do mundo, ocidental ou oriental que seja. Por fim, cito o Guimarães Rosa, que tomou o lugar de “Grão Xamã”, o que passou a presidir tudo no meu círculo mágico, o meu Grivo, o Miguilim em mim.  A travessia do grande sertão se faz em todas as suas narrativas. Grande sertão: veredas, As margens da alegria, Os cimos, A terceira margem do rio, O recado do morro, A hora e vez de Augusto Matraga,  Sarapalha, Cara-de-Bronze... ah, é tudo que vem dele; tudo que forma o sertão dendagente,  uma travessia única pra quem,  com toda a boa coragem – a coragem de quem respeita o medo, sabendo que ele é parte do que nos constitui,  do que é mesmo dendagente,  parte inseparável da coragem que nos leva e da luz que nos guia – enfrenta a proposta de atravessar o Liso do Sussuarão,  de ganhar ventura na aventura de se perder para se encontrar (sempre presos no círculo mágico dos xamãs-narradores, dos nossos feiticeiros),  adultos/crianças brincando livres, com a gravidade com que brincam as crianças, no reino da palavra  em estado de arte.
A escola me faz lembrar o tempo em que devorei livros, em uma época do primário, quando a diretora teve o bom senso de criar um “tempo semanal de leitura”. A professora nos passava um catálogo, escolhíamos um livro. Ela levava pra nós e nos deixava lá quietinhos, lendo. Ficava quase toda a turma. Alguns iam pras boas brincadeiras do pátio da escola.  Lembro que os que ficávamos, mergulhávamos nos barulhos que saltavam de cada página, tendo ao fundo a algazarra boa dos colegas que brincavam no pátio ao lado. Um tempo bom aquele. Uma ilha da fantasia pra mim. Li muito Monteiro Lobato, suas narrativas do “Sítio”.  Lembro-me bem de ter lido “Os meninos da Rua Paulo”, do Molnár; “O conde de Monte Cristo”, do Dumas; e por aí eu ia. Já no antigo “ginásio”,  me lembro dos textos ou fragmentos de texto que líamos, em “leitura silenciosa”, no livro didático (lembro direitinho o livro didático que me acompanhou nas quatro séries do ginásio;  não era o mesmo, mudava a cada série, mas todos  tinham capa dura com a mesma linda foto da estátua do Machado em frente à Academia).  José de Alencar, Joaquim Manoel de Macedo, Castro Alves, Gregório de Matos Guerra (adorei desde sempre o Boca do Inferno), os primeiros contatos com Machado de Assis, e outros por aí, chegaram-me assim, em “leituras silenciosas”. Eu adorava esses momentos das aulas de Português e achava o resto chato. Lembro vivamente a vez em que li uma história do “pombo enigmático”  que dizia à pomba amada, aflita com o atraso de seu pombo amado, coisas mais ou menos assim: “A tarde era tão bonita que eu vim andando; era um crime voar, eu tinha de vir andando.”  ou “Eu tardo mas ardo. Olha que tarde!”.  Tenho bem viva na memória a primeira vez que, encantado, li essa narrativa do Paulo Mendes Campos. Círculos mágicos o “tempo semanal da leitura” e o momento da “leitura silenciosa”, na escola. Foi assim.
Eu acredito na influência das narrativas na história da humanidade. Tenho pra mim o ato primordial de contar e ouvir histórias como ato fundador do homem e do mundo. Sendo assim, acredito que, no plano individual, a leitura influi, sim,  nas escolhas, nos caminhos de cada um... para o bem e para o mal e repito:  para o bem e para o mal.  Além disso não vou. Não sei falar sobre a questão, que envolve individualidades, peculiaridades, escolhas, circunstâncias individuais...
O escritor quer tudo. O leitor quer tudo.  Cada leitor lê num mesmo livro o seu próprio livro. Agora eu pergunto: o compositor Cartola fez leituras em livros? Não sei, mas certamente ouviu contar e contou muitas histórias. A escritura e a leitura querem e podem muito. A oralidade, o ato de narrar, de compartilhar histórias nem sabe bem o que quer, mas pode muito mais.
Aqui eu lembro o Caetano e peço a licença de o parodiar (mas paroamar): O que pode no que quer esta língua?  
Leio um pouco de tudo, sem qualquer disciplina. Sou meio levado nisso. Leio o que me pega e me leva. Gênero não me pega, nunca me pegou.
Cronópio na teia da aranha

Captar e capturar. Captamos o alcançável e o capturamos. Olhamos o capturado, à distância, para ver-lhe o todo. Aproximamos a vista, focamos-lhe os detalhes. Falta-lhe alguma coisa, algo ficou de fora, algo que nas antenas de captação percebêramos, mas que na teia de captura não caiu, da rede de captura escapou. Frustramo-nos mais uma vez e outra vez recomeçamos. Mais uma vez preparar a rede; mais uma nova teia tecer.  Não há como aperfeiçoar as antenas; são as que temos. Novas tecnologias só nos serviram até aqui para replicar, repetir o mesmo, em novos materiais. Aprimorarmo-nos, refinar o uso, tudo isso talvez só nos tenha afastado mais e mais do primor, do encantamento primordial, do que está na origem das primeiras criações, do que esteve nos primeiros criadores, os únicos originais.     
Clarice e Cortázar foram os que mais se aproximaram de ser, no meu entendimento, o perfeito captor, o que capturaria a coisa mesma. Penso que uma, por ter a clareza no nome; outro por ter o corte preciso. Foram, pelo menos entre os tão poucos que li, os que me levaram perto, deixaram-me por um triz; mas algo, num átimo, escapava-me e me frustrava, achando que eles haviam chegado lá e eu, o sempre tão limitado leitor-captor, é que não conseguira acompanhá-los  ou apanhá-los. Mais uma vez recomeçava. Demorou para que eu percebesse que o que, para mim, era chegar tão perto, para eles era  ainda nem de longe sequer roçar a sombra da ponta da cauda da besta; era apenas manter-se, em remotíssima órbita, ao largo do mistério.
Aqui ficamos, eu-eles-nós-todos, no breu da ainda não-caverna no centro do nada que é tudo no caos. Origem e destinação: o que nunca saberemos é o que toma mais espaços na mente humana. Um cão apenas olha o fundo negro do céu estrelado e ladra; por vezes, uiva para a lua cheia. Não é vão o pensamento, não é vã a linguagem; vão vaníssimo é este curto espaço-tempo que nos é dado entre nascimento e morte e que, numa ânsia somente humana por eternidade, vamos preenchendo com idéias, com zilhões de palavras, acumulando-as em infinitos sítios de memória, resguardando-as em monumentais babélicas bibliotecas, numa tarefa grande demais para tão curto espaço-tempo, mas tão vã aquela quanto este.

E salve Cartola!  E viva Guimarães Rosa!


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Tudo merece ser lido - Patrícia Kogut

“Tudo merece ser lido. Acredito na inteligência e
 no espírito crítico do leitor.”
Patrícia Kogut - Jornalista



Tenho livros que marcaram a minha infância guardados até hoje na minha estante. Um deles é "Vulcões e Terremotos", que me encantou com relatos sobre a erupção do Vesúvio Pompeia e outras tragédias afins. Outros são da Condessa de Ségur (estudei na escola francesa do Rio): "Nouveaux Contes de Fées" e " Les Malheurs de Sophie" (minha filha se chama Sofia por causa desse livro). E uma coleção de aventura e mistério, " Le Clan des Sept", de Enyd Blyton.
     
Muitos livros me marcaram e penso muito neles volta e meia. A trilogia mais importante do Philip Roth ("A Marca Humana", "Pastoral Americana" e "Casei-me com um Comunista"); "Cândido", de Voltaire. "Anna Karenina", de Tolstoi. Todos os de Amin Malouf.

Anna Karenina
A epítome da sedutora, a expressão da paixão, de uma angústia bem feminina, o retrato de uma época, e ainda assim nada datada. Uma personagem sensacional.  

O principal a gente aprende nos livros

Adoro Machado de Assis. Queria, de verdade, ter conhecido e sido amiga de Lima Barreto. Sei que a obra dele é irregular e acho isso ainda mais interessante e enternecedor. Li muitos franceses, Voltaire, Rousseau, Balzac. Me formaram.  
A escola francesa estimulava demais a leitura e eu sempre gostei muito de ler. Depois, fui para a escola brasileira e sempre me liguei aos professores de português. Adorava literatura desde cedo. Estudei Letras (não concluí). Era a minha praia desde cedo. Tive um grupo de leitura na PUC. Líamos Borges, Bioy Casares, Cortazar e muitas outras coisas.  
Acho que a leitura ajuda construir um tipo de articulação. Organiza o pensamento, aparelha a pessoa para argumentar. E para sonhar. 
A leitura traz cultura e nesse sentido abre tantos horizontes quanto uma viagem. Acho que o principal a gente aprende nos livros. Ler é muito. Alfabetiza, humaniza, forma. Recomendo muito.